domingo, 13 de agosto de 2017

Toshiko Shinai




(...) O local era de dificílimo acesso, habitado por descendentes de escravos, os quilombolas. Se o inacessível lugar viabilizou liberdade aos negros, por outro lado, assegurou também - aos remanescentes de escravos - completo isolamento. Foi como congelar o tempo. Os negros quilombolas, descendentes dos primeiros africanos que aqui aportaram, adentraram o século XXI vivendo como se em 1746.

   Os quilombolas, de início, estranharam aquela gente de olho puxado que se mantinha arredia a qualquer tentativa de aproximação. Mas souberam compreendê-los e não criaram desnecessários constrangimentos. Sabiam que só estavam ali - naquela terra inóspita e inacessível – por serem vítimas de implacável perseguição. E essa realidade conheciam como ninguém. Por isso os afro-descendentes respeitaram a dor de seus únicos vizinhos permitindo-os curtir em paz o isolamento escolhido.

   No seio das 50 famílias que agora dividiam com os quilombolas as serras inóspitas havia mais de 30 cientistas. Eram pesquisadores renomados no Japão, respeitados e venerados pelo número e qualidade das descobertas e invenções, sobretudo nas áreas da engenharia militar, da genética e da biomedicina.

   Cinco desses cientistas foram os que desenvolveram o avião de caça Zero que tantas baixas cominou aos aliados nas homéricas batalhas aéreas travadas nos céus do Pacífico. Mas a parte mais significativa dos cientistas migrantes orientava suas pesquisas para a área da engenharia genética.

   Na China, quando o país estava subjugado pelo Japão, esses cientistas integraram o grupo que perpetrou todo o tipo de experimentações utilizando seres humanos como cobaias, notadamente crianças e mulheres chinesas. Como receberam carta branca do imperador e do alto comando militar japonês, não havia impedimento ou limitação - fosse ético, moral ou religioso – à experimentação científica. A completa inexistência de limites levou ao sacrifício de 600 mil mulheres e de 1 milhão de crianças tragadas por experiências genéticas malsucedidas.

   Quando o grupo chegou a São Paulo trazia expertise suficiente para abrir uma nova frente no campo da pesquisa embrionária. Deram origem à partenogênese, técnica científica através da qual um ser vivo nasce a partir de um óvulo sem que haja fecundação.

   O objetivo traçado consistia em conquistar o absoluto controle sobre a reprodução humana de modo a gerar tão somente seres plenamente saudáveis, com biótipos pré-determinados e já com o ordenamento cerebral estabelecido para a obtenção da máxima performance, do máximo fator de inteligência. Os cientistas não mais toleravam a casualidade dos relacionamentos do homem com a mulher que gerava filhos imprevisíveis, às vezes com ótima desenvoltura física, mas inadequado desempenho cerebral; outras vezes com alto desempenho mental, mas capacidade física comprometida. Muitos marginais e criminosos foram criados em berço de ouro, tiveram formação rígida, pais devotados, relacionamentos seguros e confiáveis – condenavam os pesquisadores de olhos horizontais.


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