terça-feira, 13 de junho de 2017

A crise avança na direção do Judiciário


Ao sentenciar ignorando provas, incitaram a uma redução da confiança pública no Judiciário
Na sala de julgamento, diante das câmeras, avisou: “Vou fazer um gesto do que é a ira do profeta”. E, teatralmente, espalmou a mão branca, dedos rígidos e alinhados, deslizando- a como se cortasse artérias do pescoço de quem desejava justiçar. “É preciso dar um freio nisso ou não vai ter bom fim”, disse o juiz Napoleão Nunes Maia Filho sobre delações premiadas de empreiteiras nas quais supostamente foi citado. E prosseguiu na leitura de sua sentença inaugural do golpe do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ignorar e desqualificar provas de fraude, corrupção e lavagem de dinheiro na eleição de 2014 coletadas na Operação Lava-Jato.
Àquela altura, perto do TSE, a presidente do Supremo conversava com chefes de tribunais estaduais, intimando-os à ação rápida para transparência do Judiciário, o mais obscuro dos poderes republicanos.
Cármen Lúcia, que também preside o Conselho Nacional de Justiça, argumentava com o aumento da pressão de uma sociedade cada dia mais crítica ao funcionamento das instituições. Lembrou: “Nenhum de nós tem dúvida de que o Brasil mudou. O cidadão mudou e está com raiva.”
O quadro sugere que, depois de devastar o Executivo e o Legislativo, agora a crise na praça dos Três Poderes, em Brasília, avança na direção do Judiciário.
A desconfiança pública no sistema de justiça não é recente. Foi crescente nas últimas três décadas, mostram pesquisas da Fundação Getulio Vargas, por efeito da excessiva burocratização dos serviços e do longo tempo na resolução de conflitos.
Na sexta-feira, porém, quatro juízes do TSE podem ter adicionado uma novidade ao se atropelarem na própria incapacidade de demonstrar a legitimidade de sua decisão.
Ao sentenciar ignorando provas, incitaram a uma redução da confiança pública no Judiciário, porque estimularam a incredulidade no funcionamento de um tribunal cuja razão de existir é a garantia da efetividade, da transparência e da segurança do direito ao voto.
Como registrou Silvana Batini, professora da FGV, “decidir sobre o direito ignorando os fatos permite que, no futuro, os fatos ignorem mais uma vez o direito”.
Juízes de tribunais superiores são políticos vestidos de toga, mas ao usar a toga para fazer política — no caso, estabelecer uma pinguela de governabilidade —, os vencedores do TSE provavelmente contribuíram para ampliar a hemorragia, em vez de estancar a sangria no governo, no Congresso e nos 26 partidos envolvidos em inquéritos sobre corrupção.
Michel Temer comanda um governo que, no chão, ganhou fôlego por uma “degola” à moda da República Velha — um mecanismo de logro eleitoral usado pelas oligarquias—, mas já não consegue se sustentar em sólida maioria no Legislativo. Assistiu a 43 deserções nas últimas três semanas. Batalha para que, amanhã, o PSDB de 46 deputados e 11 senadores decida apenas fingir que o abandona, e libere alguns que desejam continuar gravitando em torno do Palácio do Planalto.
No melhor cenário, continuará em extrema fragilidade, submisso a custos políticos crescentes sobre cada iniciativa governamental, e algemado ao destino da Lava-Jato.
Por José Casado, em O Globo


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