domingo, 12 de setembro de 2010

Quando o crack de Nova Iorque se encontra com o crack que assola o Brasil

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Humilhas, avanças, provocas, agrides, espancas, torturas, aprisionas indefesos – e quem bate e violenta é a tropa de choque?
Te tornaste carne, sexo e prostituta de incubo de Saturno –
e ensandecidamente acusas o outro de estupro? (...)

Leia o poema Uma oração para canalhas clicando aqui.
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Quando o crack de Nova Iorque se encontra com o crack que assola o Brasil

Até pouco tempo atrás os pais preocupavam-se em explicar para os filhos o significado até então mais expressivo da palavra crack.

E pacientemente discorriam sobre a crise de superprodução ocorrida no final dos anos vinte.

Tão logo terminou a primeira guerra mundial os Estados Unidos apresentaram um vigoroso processo de crescimento econômico. A indústria norte-americana chegou a responder por metade da produção mundial. O novo padrão de vida denominado american way of life caracterizava-se pela valorização dos bens de consumo, pelas aquisições de automóveis, eletrodomésticos e demais industrializados.

Ao mesmo tempo em que ocorria o boom do crescimento ianque, os países europeus recuperavam-se da destruição causada pela grande guerra, reorganizavam os sistemas de produção e iniciavam a disputa pelos mercados consumidores. Enquanto a Europa impunha restrições às importações de produtos norte-americanos, os EUA continuavam produzindo com sua conhecida e inesgotável voracidade capitalista.

O cenário explosivo estava estruturado: mercado internacional desorganizado; cotações em permanente estado de oscilação; falências generalizadas; agudo desequilíbrio decorrente, de um lado, do excesso de mercadorias produzidas e, de outro, do diminuto poder aquisitivo dos consumidores.

Até que no dia 29 de outubro de 1929, a face mais perversa do desenvolvimento capitalista se apresenta ao mundo, fazendo sua aparição na Bolsa de Valores de Nova York. As tensões que – dez anos depois – conduziriam à Segunda Grande Guerra, materializam-se bem no centro, no coração econômico do mundo.

A população acorre em massa tentando vender suas ações – que já haviam perdido todo o seu valor de face – indústrias e corporações vão à bancarrota, dezenas de milhares que haviam dormido trilionários acordam miseráveis... mais de 15 milhões de desempregados...

Para melhor explicar a tragédia que representou este período, os pais faziam questão de recorrer às locadoras para assistir com os filhos uma das obras primas de Sydney Pollack, A Noite dos Desesperados (They Shoot Horses, Don't They?, 1969), onde Jane Fonda, de maneira categórica, magistral e irreparável, mostra toda a sua virtuosidade na arte da interpretação.

A Noite dos Desesperados, de Sydney Pollack, com Jane Fonda

Mas como que picado por uma cobra peçonhenta, sendo tragado pela areia movediça, ou imerso em uma película de terror, um outro crack – que não o de 29 - é a atual fonte de pesadelos dos pais. Seu avant-première ocorreu em junho de 1990 quando o Denarc - Departamento de Investigações sobre Narcóticos – de São Paulo, apreendeu 220g com um barbeiro na zona leste da cidade. Mal decorridos dois anos e a nova droga estava disseminada pela maior cidade do continente americano.

Ao contrário da heroína e da cocaína, o crack é barato e está ao alcance de qualquer um, até mesmo dos mais pobres e despossuídos. Sua produção é obtida a partir da sobra do refinamento da merla (resíduo do processamento, do refinamento da cocaína). Essa sobra – ou ainda a pasta não refinada – é misturada ao bicarbonato de sódio e água, resultando na droga que ameaça transformar nossos estudantes e a juventude numa massa disforme, doentia, numa corja de zumbis sem alma ou vontade.

O Instituto Datafolha comemora seu um quarto de século de existência. E para não deixar a data passar em branco, refez uma pesquisa realizada no ano de 1983.

Ao processar os questionários e tratar os dados, o que emergiu virulentamente da pesquisa é que, hoje, o maior temor da sociedade é que um jovem da família se envolva com as drogas.

Alba Zaluar, doutora em antroplogia e coordenadora do Núcleo de Pesquisas das Violências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, comentando os resultados da pesquisa é enfática quanto ao que vem ocorrendo no Brasil:

• Há agora essa epidemia de crack, que contribuiu muito pra aumentar o medo da droga
• É uma droga que arrebenta com a pessoa, faz cometer loucuras e que é barata.
• A cocaína é muito mais temida que a maconha. Mas o crack é a mais temida de todas.


Para a antropóloga os sentimentos da família não se limitam a temer que um de seus membros venha a se curvar ao vício: Se envolver com cocaína e crack é se envolver com traficantes, com a criminalidade.

Mas não é só a relação dos filhos com as drogas e traficantes que deve preocupar pais responsáveis e educadores dedicados. Sobretudo a sustentabilidade das relações familiares deve ganhar prioridade em nossa hierarquia de preocupações. E neste contexto urge resgatar valores imprescindíveis às sociedades saudáveis como amor, virtude, altruísmo, respeito, autoridade (que em nada se assemelha a autoritarismo),...

Tão importante quanto qualificar as forças policiais para, como eficácia e inteligência, combater e debelar o tráfico e o crime, tão importante quanto construir mais presídios para manter os traficantes confinados longe de nossos filhos, tão importante quanto investir em educação de qualidade, é regatar os valores e princípios familiares, dotá-los do amor e da fraternidade que, às vezes, parecem ter se perdido no tempo.

Sugiro a leitura de três outros artigos que escrevi sobre esta questão. Não tenho dúvidas que estamos numa encruzilhada. O amanhã só corresponderá às nossas expectativas caso consigamos impregnar nosso hoje de zelo, coragem, responsabilidade e amor. Basta clicar sobre os títulos para acessá-los:

1) Quando o homem deixa de ser homem

2) Quando a desgraça é inevitável

3) O que fazer com os anjos emprestados por Deus?

Antônio Carlos dos Santos – criador de metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg,Br