terça-feira, 20 de novembro de 2007

Os dólares do sacrifício

Quando o sapato aperta, o bolso morde e a esperança fica rarefeita, a solução para muitos se restringe à porta de saída. Literalmente.

Para responder aos ininterruptos períodos de crise institucional e financeira, para fugir do desenvolvimento marginal, dos indomáveis índices de desemprego, de uma torpe realidade inimiga dos sonhos, não poucos brasileiros se vêem na contingência de buscar outros destinos, singrar mares distantes, mirar rincões onde a vida não refugue as possibilidades da existência.

Houve tempo em que o espírito aventureiro era o grande motor capaz de promover uma mobilidade social dessa envergadura – verdadeiro processo social que nada deve a qualquer outro, posto que o número de brasileiros que emigram cresce vertiginosamente. Mas nos atuais dias de tormenta e borrasca, a força propulsora atende pelo nome de sustentabilidade econômica. É uma peleja derradeira para escapar da mediocridade, da vida vegetativa, insossa e miserável. Se é para embalar e perseguir os sonhos e os projetos de vida, então qualquer sacrifício vale a pena, até mesmo o de se deparar com a discriminação hedionda e a insana repressão das polícias-cães de fronteira. A lição aprendemos com Fernando Pessoa:

“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu”.


Até chegar ao destino e se estabelecer há que se encarar um espelho em que a imagem refletida é a da via crucis, “(...) Tem que passar além da dor”. É como ser tragado por um buraco negro, atravessar um campo de guerra, ser lançado no olho do furacão. O que seria pior que atravessar um campo minado permanentemente bombardeado com bombas incendiárias, rajadas de vento e metralhadora disputando o que restou do espaço milimétrico?

Mas tão logo se estabelece, a primeira ação do desterrado é encaminhar os dólares do sacrifício para os que ficaram. E fazem o dinheiro percorrer o caminho inverso para aliviar as agruras e sofrimentos dos familiares. A moeda conquistada chega para irrigar uma economia moribunda criada para servir aos interesses da corrupção e do clientelismo.

Enganam-se os que imaginam que os recursos enviados pelos conterrâneos a terra brasilis é coisa de pouca monta, tesouro de latão e velhacarias.

O Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID - e o Fundo Internacional da ONU para o Desenvolvimento Agrícola – FIDA – juntaram-se para produzir o relatório Sending Money Home (Mandando Dinheiro para Casa). As estimativas que constam neste documento dão conta de que, apenas no ano passado, os brasileiros que residem no exterior enviaram para o Brasil remessas equivalentes a um total de US$ 7,4 bilhões, algo em torno de R$ 13,5 bilhões. Os valores representam um incremento de 13,5% quando cotejados com os verificados no ano anterior. É um volume de recursos que representa mais de 1/3 de tudo o que o governo espera arrecadar no ano só com a (malfadada) CPMF.

No mundo, os países que mais receberam remessas de seus exilados foram a Índia, US$ 24,5 bilhões, seguido do México, US$ 24,2 bilhões e da China, US$ 21 bilhões.

Na América do Sul, o Brasil ostenta a mais elevada taxa de remessas.

O mais curioso é que, segundo o BID e o FIDA, as remessas mundiais - correspondentes a US$ 300 bilhões - excedem substancialmente o total de doações e investimentos efetuados por bancos de fomento e instituições de desenvolvimento que investem em países de economia periférica. As doações materializadas por essas entidades em 2.006 mal chegaram à casa dos US$ 104 bilhões.

É o próprio diretor geral do Fundo de Investimento do BID, Donald Terry, quem reconhece a fragilidade das políticas de apoio levadas a efeito pelos bancos e agências de desenvolvimento. Quando questionado sobre o fato do valor das remessas sistematicamente exceder o de investimentos, é categórico: ''o que quer que nós tenhamos feito por esses países, isso não foi suficiente''. E complementa: “as remessas hoje em dia atuam não somente como uma forma de atenuar a pobreza, mas como um fator de desenvolvimento que deverá indicar novas formas de ação para bancos de fomento e organizações assistenciais.

Portanto, não nos esqueçamos de agradecer aos familiares dos desterrados que, não obstante distantes da terra-mãe, fazem mais pelo Brasil do que muitos demagogos e oportunistas que se arvoram patriotas defensores dos interesses nacionais.

Antônio Carlos dos Santos é o criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.